segunda-feira, 11 de maio de 2009

Proteção do Complexo Dentino/Pulpar

1 Introdução
O conjunto calcificado esmalte/dentina é a estrutura responsável pela proteção biológica da polpa, ao mesmo tempo em que se protegem mutuamente. O esmalte é duro, resistente ao desgaste, impermeável e bom isolante elétrico. O esmalte protege a dentina que é permeável, pouco resistente ao desgaste e boa condutora de eletricidade. A dentina, graças à sua resiliência, protege o esmalte que pela sua dureza e alto grau de mineralização, é extremamente friável.
A polpa dentária é um tecido conjuntivo altamente diferenciado, ricamente inervado, vascularizado e, conseqüentemente, responsável pela vitalidade do dente; está diretamente conjugada ao sistema circulatório e tecidos periapicais através do feixe vásculo/nervoso que entra e sai pelos forames apicais.
A principal característica da polpa dentária é produzir dentina, além de possuir outras funções, como nutritiva, sensitiva e defensiva.
A polpa proporciona nutrição á dentina através dos prolongamentos odontoblásticos, os quais conduzem os elementos nutritivos encontrados no líquido tecidual.
Quando a polpa é sujeita a injuria ou irritações mecânicas, térmicas, químicas ou bacterianas, desencadeiam uma reação efetiva de defesa. Essa reação defensiva é caracterizada pela formação de dentina reparadora, se a irritação é ligeira, ou por uma reação inflamatória se a irritação é mais severa.
Sempre que houver perda de substância, quer seja por cárie e sua remoção, fraturas, erosões ou abrasões e conseqüentemente, o dente deve ser restaurado, é necessário que a vitalidade do complexo dentino/pulpar seja preservada por meio de adequada proteção.
As proteções do complexo dentino/pulpar consistem da aplicação de um ou mais agentes protetores, tanto em tecido dentinário quanto sobre a polpa que sofreu exposição, a fim de manter ou recuperar a vitalidade desses órgãos.
Idade do paciente, condição pulpar e profundidade da cavidade são aspectos que deveram ser considerados juntamente com o tipo de material restaurador para que possamos obter o real objetivo dessa proteção.
Existem duas técnicas distintas que podem ser utilizadas na proteção do complexo dentino/pulpar: proteções indiretas e proteções diretas.
As proteções pulpares indiretas representam a aplicação de agentes seladores, forradores e/ou bases protetoras nas paredes cavitárias com o objetivo de proteger o complexo dentino/pulpar das diferentes tipos de injúrias; manter a vitalidade pulpar; inibir o processo carioso; reduzir a microinfiltração e estimular a formação de dentina esclerosada, reacional e/ou reparadora.
As proteções diretas caracterizam-se pela aplicação de um agente protetor diretamente sobre o tecido pulpar exposto, com a finalidade de manter sua vitalidade e conseqüentemente promover o restabelecimento da polpa; estimular o desenvolvimento de nova dentina e proteger a polpa de irritações adicionais posteriores

2 Agentes Protetores
Atualmente com o aumento do número de produtos, diversidade de técnicas de aplicação e mecanismos de aplicação, uma adequada proteção do complexo dentino/pulpar pode ser obtida com os selantes, forradores, capeadores, bases protetoras e/ou bases cavitárias. É evidente que com as propriedades físicas e químicas aperfeiçoadas, um determinado material poderá agir como forrador, como base protetora ou mesmo como base cavitária, de conformidade com a espessura da camada aplicada. Um material protetor poderá ser considerado ideal se for capaz de:
=> Proteger o complexo dentino/pulpar de choques térmico e elétrico;
=> Ser útil como agente bactericida ou inibir a atividade bacteriana, esterilizando a dentina sadia e a afetada residual nas lesões cariosas profundas;
=> Aderir e liberar flúor á estrutura dentária;
=> Remineralizar parte da dentina descalcificada e/ou afetada remanescente nas lesões de rápida evolução;
=> Hipermineralizar a dentina sadia subjacente após a remoção mecânica da dentina (esclerose dos túbulos dentinários);
=> Estimular a formação de dentina terciária ou reparadora nas lesões profundas ou exposições pulpares;
=> Ser anódino, biocompatível, manter a vitalidade pulpar e estimular a formação de nova dentina (barreira mineralizada) nas proteções diretas, curetagens e pulpotomias;
=> Inibir a penetração de íons metálicos das restaurações de amálgama para a dentina subjacente, prevenindo assim a descoloração (escurecimento) o dente;
=> Evitar a infiltração de elementos tóxicos ou irritantes constituintes dos materiais restauradores e dos agentes cimentantes para o interior dos canalículos dentinários e polpa;
=> Aperfeiçoar o vedamento marginal das restaurações, evitando a infiltração de saliva e microrganismos pela interface parede cavitária/restauração.

Agentes Protetores Utilizados
Os materiais protetores acessíveis atualmente apresentam composição bastante variada, responsável pelo seu comportamento físico, químico e biológico. Para facilidade de compreensão, podem ser resumidos de acordo com sua composição básica e características da apresentação:
=> Vernizes Cavitários;
=> Produtos à Base de Hidróxido de Cálcio;
=> Cimentos Dentários; e
=> Adesivos Dentinários.
Vernizes Cavitários
Os vernizes cavitários são compostos à base de resina copal natural ou sintética, dissolvida em clorofórmio, éter ou acetona. Quando aplicado em uma cavidade, o solvente evapora-se rapidamente, deixando uma película forradora semipermeável que veda com certa eficiência os túbulos dentinários. A eficiência da vedação dos túbulos dentinários foi abordada por alguns pesquisadores em seus trabalhos. Alguns exemplos de nomes comerciais:
=> Copalite (Cooley and Cooley, Houston, Texas, U.S.A.);
=> Verniz Caulk (L.D. Caulk Co Divisional DENTSPLY International Inc., Milford Ontario, Canadá);
=> Copalex (Inodon – Ind. Odontológica Ltda., Porto Alegre, RS., Brasil); e
=> De Trey’s Special Varnish (De Trey Frêres S.A., Zurich, Switzerland).
Produtos à Base de Hidróxido de Cálcio
Os produtos à base de hidróxido de cálcio são atualmente bastante difundidos e grandemente utilizados, graças à sua comprovada propriedade de estimular a formação de dentina esclerosada, reparadora e proteger a polpa contra os estímulos termoelétricos e a ação dos agentes tóxicos de alguns materiais restauradores.
A indução de neoformação dentinária parece ser decorrente do pH altamente alcalino do hidróxido de cálcio, embora o seu mecanismo de ação seja desconhecido. Desde que o hidróxido de cálcio é particularmente efetivo em estimular a formação de dentina reacional e reparadora, é o material de escolha para ser empregado em cavidades profundas, particularmente naquelas situações onde existe a possibilidade de microexposições não detectáveis clinicamente. O hidróxido de cálcio pode ser utilizado pelo profissional em diferentes formas de apresentação tais como:
=> Solução de Hidróxido de Cálcio;
=> Suspensão de Hidróxido de Cálcio;
=> Pastas de Hidróxido de Cálcio;
=> Cimentos de Hidróxido de Cálcio.
Solução de Hidróxido de Cálcio
A quantidade de 10 a 20 gramas de hidróxido de cálcio P. A. em 200ml de água destilada. Esta mistura deverá ser mantida em repouso, para que o excesso de hidróxido de cálcio fique sedimentado no fundo do recipiente. Não há necessidade de agitá-lo, para o uso, pois a solução alcalina fica acima da deposição, numa concentração de aproximadamente 0,2% de hidróxido de cálcio. Esta solução alcalina ou água de hidróxido de cálcio é útil para todos os tipos de cavidades, qualquer que seja a sua profundidade, devendo-se lavá-las com esta solução antes que a proteção pulpar e restauração sejam colocadas. Além da limpeza que proporciona, sua alcalinidade neutraliza a acidez da cavidade, atua como agente bacteriostático, estimula a calcificação dentinária e é hemostático nos casos de exposições pulpares. Por outro lado, o hidróxido de cálcio depositado no fundo do recipiente constitui uma ótima pasta para proteções diretas que o profissional poderá utilizar com freqüência.
Suspensões de Hidróxido de Cálcio
Consiste numa suspensão de hidróxido de cálcio em solução aquosa de metilcelulose a qual deve ser agitado antes do uso. Este produto vem munido de dispositivo apropriado com uma cânula que permite gotejar a suspensão dentro da cavidade. Geralmente uma ou duas gotas de suspensão é suficiente para um forramento adequado, após a colocação da gota, esta deve ser seca com leve jato de ar até que se forme uma película forradora branca e fosca em toda superfície preparada.
Pasta de Hidróxido de Cálcio
Introduzido e empregado pela primeira vez por Hermann2 em 1920, para a proteção do complexo dentino-pulpar. Diferem dos cimentos na composição e consistência e constitui-se basicamente de hidróxido de cálcio pró-análise dissolvido em água destilada ( não endurecem após a sua colocação na cavidade).
Possuem outros constituintes como o cloreto de sódio, potássio, cálcio e carbonato de cálcio ou então com a adição de sulfato de bário que torna a pasta radiopaca.
Devido à capacidade de estimular a formação de dentina reparadora quando colocadas sobre a polpa, estas pastas são principalmente indicados nos casos de proteção direta, quando ocorre uma exposição acidental.
Cimentos de Hidróxido de Cálcio
Apresentam relativa dureza e resistência mecânica, são também impermeáveis aos ácidos existentes em alguns materiais restauradores. São também eficazes contra estímulos térmicos e elétricos sob restaurações metálicas a amálgama, fundidas ou a ouro em folha.
O Dycal é um exemplo desses produtos, apresenta-se sob a forma de duas pastas, uma base e outra catalisadora. A pasta base é constituída por dióxido de titânio (56,7%) em glicol salicilato, com um pigmento (pH 8,6). A catalisadora é composta de hidróxido de cálcio (53,5%), óxido de zinco (9,7%) em etiltolueno sulfonamida, cujo pH é 11,3. Sua manipulação é bastante simples, bastando proporcionar pastas iguais das duas pastas, espatulá-las convenientemente e levar a mistura á cavidade com o auxílio de um instrumento próprio.
Suas propriedades mecânicas, em especial a resistência à compressão, após 7 minutos da espatulação1 , e ao cisalhamento, após 10 minutos5 , possibilitam indicar esse agente protetor como base única no caso de proteções indiretas sob restaurações de amálgama, por suportar as pressões de condensação deste material.
Sob o ponto de vista biológico, quando aplicado sobre a dentina possibilita a formação de dentina reacional e evidências de reparo pulpar 7 e parece conduzir a resultados satisfatórios quando aplicado sobre pequenas exposições pulpares acidentais 6.
Cimentos Dentários
Os cimentos dentários possuem as mais diferentes composições e comportamentos físicos e biológicos que evidentemente dependem de seus constituintes básicos. Ex: cimentos de fosfato de zinco, cimentos de óxido de zinco e eugenol, cimentos á base de hidróxido de cálcio, cimentos de policarboxilato e cimentos de ionômero de vidro.
Os cimentos de ionômero de vidro foram inicialmente divulgados em 1971 e introduzidos no mercado no final da década de 70. Esses materiais são também conhecidos como cimentos de polialcenoato de vidro, pois o líquido é uma solução aquosa de ácido polialcenóico.
O cimento de ionômero de vidro se constitui numa evolução dos cimentos de silicato e de policarboxilato. O pó do cimento de silicato teve a proporção Al2O3/SiO2 modificada. No pó do ionômero de vidro há três constituintes que são essenciais: a silica (SiO2) a alumina (Al2O3) e o fluoreto de cálcio (CaF2). O flúor é um dos componentes importantíssimos do pó dos cimentos ionomêricos.
Entre suas funções, ele melhora as características de trabalho e aumenta a resistência do cimento, bem como sua liberação para o meio bucal confere propriedade anti-cariogênica ao material. O líquido é uma solução aquosa de ácidos polialcenóicos com a inclusão de aceleradores de presa ( ácido tartárico).
Resistência a compressão e a tração, liberação de flúor, adesividade e coeficiente de expansão térmica linear são algumas das propriedades dos ionômeros que quando comparadas com as de outros cimentos, são fatores decisivos na eleição do material protetor e/ou forrador.
Adesivos Dentinários
Os sistemas adesivos mais recentes para serem usados como selantes cavitários são aqueles que possuem uma demonstrada capacidade de união a múltiplos substratos para poder unir o material restaurador ao dente.
O advento de sistemas adesivos que se aderem á estrutura dentária sem necessidade de retenção mecânica adicional tem proporcionado uma revolução á pratica restauradora, tanto pela abordagem extremamente conservadora que eles se caracterizam quanto pela complexidade de sua química e variedade de produtos disponíveis comercialmente.
A adesão ao esmalte através da técnica do condicionamento ácido já não desperta tanto interesse aos pesquisadores e clínicos, em faces das fortes evidências de sua efetividade. A grande questão, sempre fator de controvérsias, é o condicionamento da dentina e suas conseqüências, benéficas ou não.
A combinação resultante da dentina e polímero tem sido chamada de camada híbrida que, segundo Nakabayashi 3,4 é definida como a interpretação e impregnação de um monômero à superfície dentinária desmineralizada formando uma camada ácido resistente de dentina, reforçada por resina.
Além da capacidade destes novos sistemas em aderir efetivamente à superfície dentinária, são também extremamente importantes no tratamento fisiológico do processo odontoblástico porque, com a possível formação da camada híbrida na superfície da dentina e na dentina peritubular, esse processo fica realmente vedado ao fluxo de fluidos. A sensibilidade pós-operatória resultante de muitos procedimentos operatórios é basicamente eliminada. Afirma-se ainda que a camada híbrida forma uma superfície não difusível que impede a invasão de microrganismos para dentro dos túbulos dentinários e, conseqüentemente, para dentro da polpa. Atualmente é aceito que a invasão de microrganismos para dentro da câmara pulpar é que causa necrose da polpa, e não materiais utilizados para restaurar os preparos cavitários.
Proteção Pulpar em Dentes Restaurados com Resina Composta
Considerações GeraisA despeito da propalada simplicidade dos procedimentos restauradores adesivos, o tratamento das lesões dentárias exige experiência e conhecimento profundo da cárie, da biologia pulpar, do diagnóstico e da terapêutica. Deve-se atentar, ainda, para vários fatores, como por exemplo:
=> Tipo da lesão cariosa (agudizada ou crônica);
=> Diagnóstico das condições pulpo/dentinárias (tipo de substrato dentinário);
=> Idade do paciente e/ou dente;
=> Extensão, profundidade (espessura da dentina remanescente) e localização do preparo no dente (considerando á presença ou ausência e a espessura do esmalte nas faces proximais, oclusal, vestibular, lingual e áreas de colo);
=> Capacidade vedadora do sistema restaurador adesivo a ser empregado;
=> Concentração, pH e capacidade de dissociação iônica do ácido que será empregado tanto em esmalte quanto em dentina.
Opções para proteção do complexo dentino/pulpar em função do material restaurador e da profundidade das cavidades.
Proteção Dentino/Pulpar em Dentes restaurados com Resina Composta
Cavidades superficiais, rasas e de média profundidade:
=> Simultânea com o ataque ácido total
=> 1ª opção: hibridização pelo sistema adesivo;
=> 2ª opção (apenas para cavidades de média profundidade): cimento ionomérico + sistema adesivo;
Cavidades Profundas (até aproximadamente 0,5mm de dentina remanescente);
=> 1ª opção: Solução de hidróxido de cálcio ou detergente + hidróxido de cálcio.
=> 2ª opção: Soluções bactericidas à base de clorexidina. Solução de hidróxido de cálcio.
=> 1ª opção (dentina sem esclerose): Cimento de hidróxido de cálcio auto ou fotoativado + cimento ionomérico + sistema adesivo.
=> 2ª opção (dentina com esclerose): Cimento ionomérico + sistema adesivo.
Cavidades Bastante Profundas (com 0,5mm ou menos de dentina remanescente)
=> Solução de hidróxido de cálcio
=> 1ª opção: Cimento de hidróxido de cálcio auto-ativado + cimento de ionômero de vidro + sistema adesivo.
=> 2ª opção: Cimento de hidróxido de cálcio fotoativado + cimento de ionômero de vidro + sistema adesivo.
Cavidades com Exposição Pulpar
=> Soro fisiológico e Solução de hidróxido de cálcio
=> 1ª opção: pasta ou pó de hidróxido de cálcio + cimento de hidróxido de cálcio + cimento de ionômero de vidro + sistema adesivo.
=> 2ª opção: Cimento de hidróxido de cálcio auto-ativado + cimento de ionômero de vidro + sistema adesivo.
=> 3ª opção: Cimento de hidróxido de cálcio fotoativado + cimento de ionômero de vidro + sistema adesivo.
Referências Bibliográficas
4.1 CHONG, W.F.; SWARTZ, M.L. and PHILLIPS, R.W. Displacement of cement bases by amalgam condensation. J. Amer. Dent. Ass., 74 : 97-102, 1967.
4.12 HERMANN, B.W. Dentinobliteration der wurzelka nach behandlung mit calcium. Zahnarzl. Rdsch., 2:287-91,1930.
4.13 NAKABAYASHI, N.Resin reinforced dentine due to infiltration of monomers into the dentine at the adhesive interface. J. Jap. Soc. Dent. Mat. Dev., v.1, p.78-81, 1982.
4.14 NAKABAYASHI, N.; KOJIMA, K.; MASUHARA, E. The promotion of adhesion by the infiltration of monomers into tooth substrates. J. Biomed. Mater. Res., v.16, n.3, p.265-273, May 1982.
4.15 ROSSO, R.J. Contribuição para o estudo da resistência aos esforços de cizalhamento de alguns materiais empregados como base de proteção do complexo dentina-polpa. São Paulo, Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo.1972. ( Tese).
4.16 STANLEY, H.R.; LUNDY, T. Dycal therapy for pulp exposures Oral Surg. , 34 : 818-27, 1972.
4.17 TRONSTAD, L.; MJÖR, I.A. Pulp reactions to calcium hydroxide – containing materials. Oral Surg., 33: 961-65, 1972.
4.18 WILSON, A.D. A hard decade’s work: Steps in the invention of the glass-ionomer cement. J. Dent.Res., v.75, n.10, p.1723-7, 1996.

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